Carta de Oliveira Salazar a Marcello Caetano a explicar a sua posição face à questão monárquica em Juhlo de 1957

18-07-2010 16:48

PRESIDÊNCIA DO CONSELHO


Ao Doutor Marcelo Caetano


Estava para escrever-lhe exactamente quando recebi a sua carta sobre as declarações à UP. Eu entendi da conversa da manhã de ontem que o Doutor Marcelo Caetano tinha diligenciado junto da UP [United Press] um retoque das informações anteriores e das deduções que aqui e além se permitiram tirar das minhas declarações de 4. Quando vi os jornais e vi o relevo dado por estes à informação, não da UP mas do próprio ministro, já transmitida de fora para dentro (França, Espanha, Brasil), fiquei preocupado com os reflexos que se poderiam verificar em certos sectores do interior e embaraçar-lhe a acção. Evidentemente todos estamos de acordo nisso, que «não está posto o problema do regime», como diz na sua carta, mas a frase da UP é que «não existe em Portugal problema de regime» e esta afirmação tem ou pode ter um sentido muito diverso do da primeira e ser entendida como estando no espírito do Governo definitivamente e para sempre resolvida a questão da República e da Monarquia. Ora nós só temos podido viver porque a questão não se tem posto nem convém se ponha, o que envolve deixar ao menos em suspenso e como uma possibilidade futura, longínqua e indefinida a solução monárquica. Isto tem satisfeito e continua a satisfazer os monárquicos, porque a seus próprios olhos os justifica do apoio que dão. Para os ter connosco parece-me necessário não fazer o Governo profissão de fé republicana nem afirmar o regime republicano como assente in aeternum, o que aliás é dispensável e seria mesmo tolo.

A ideia de que uma afirmação do género, alienando o apoio dos seus, pode obter-se o apoio dos outros, julgo-a ilusória, porque os verdadeiros republicanos ou os que se julgam ser não querem esta República, mas outra muito diversa que implanta a denegação e a destruição do que está feito.
Eu penso ter aquietado uns e outros com o que disse em 4, e assim se julgou no primeiro momento. A falta de sensibilidade de alguns monárquicos começa, segundo parece, a permitir-lhes jogar com uma frase solta do discurso, e os inimigos da situação com outras para fins que não respeitam aliás à consolidação do regime actual mas aos seus interesses partidários. Suponho que isto impressionou o Doutor Marcelo Caetano como a outras pessoas do nosso lado. Fosse como fosse, importaria evitar que quaisquer declarações suas fossem tidas como a negação implícita do que eu realmente disse e criassem um inconveniente mais grave do que aquele que se destinavam a sarar.
Por estas razões me tornei a levantar da cama e falei para a Censura a dar a indicação de que proveio serem eliminados os telegramas dos estrangeiros sobre a matéria. Os jornais da tarde interessados no caso já os tinham incluído. O facto de não aparecerem nos da manhã podia talvez diminuir algum mau efeito. O alvoroço com que aqueles asseguraram a publicidade seria porventura contrabalançado pelo silêncio dos matutinos. Não eram horas de estar a incomodá-lo nem pelo telefone se podiam dar estas explicações.
Compreendo perfeitamente as dificuldades da situação de quem está no seu posto, e será difícil evitar de todo e sempre pequenas discordâncias. O essencial é ter a consciência de que se trabalha com lealdade e para o fim comum. O Doutor Marcelo Caetano quis pôr cobro a especulações inconvenientes. A minha intenção só teve por fim evitar que a declaração feita se pudesse interpretar como pretendendo reforçar o jogo feito por um dos sectores, o que não podia estar no seu pensamento. Veremos se um e outro pudemos tirar resultados úteis da nossa acção.

Com respeitosos cumprimentos

28 de Julho de 1957

 

Oliveira Salazar

in "Salazar e Caetano, cartas secretas" de Jose Freire Antunes, pag.386-387

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